sexta-feira, 16 de abril de 2010

O que está em jogo em 2010

Correio da Cidadania

Lulistas sinceros acreditam que o presidente está realizando um avanço social maior do que o próprio Getulio Vargas. Os que divergem desse ponto de vista não sabem "o que realmente está em jogo em 2010". Portanto, o ponto a discutir com eles diz respeito a esta questão.

O fenômeno Lula tem um efeito social real, independentemente do êxito ou do fracasso do seu governo.

O caso dele é semelhante ao de Obama. É o fato de um negro ocupar a Casa Branca que tem um efeito não identificável diretamente, mas certamente muito forte, na sociedade norte-americana. Os Estados Unidos não serão os mesmos depois de Obama, independentemente do que vier a acontecer com a sua administração: o povo negro percebeu que "pode".

A ascensão de um "pau de arara" à Presidência da República tem o mesmo significado: o povo percebeu que pode chegar lá. Portanto, o Brasil pós-Lula não será o mesmo. Mas o Brasil será esse?

Para quem se considera socialista esta não é a pergunta chave para definir o que está realmente em jogo em 2010, e sim esta outra: ao término do governo Lula, o Brasil estará mais próximo ou mais distante da ruptura socialista?

Cientes de que a resposta só pode ser negativa, os lulistas levantam a questão do futuro do Brasil mais em termos de ameaça aos que divergem da sua posição do que de esperança de grandes avanços, porque estão cansados de saber que, no pós-Lula, as políticas econômicas não serão muito distintas das atuais, seja eleito qualquer dos candidatos do campo da ordem estabelecida.

Fica valendo, portanto, apenas a ameaça: se a esquerda assumir uma postura divisionista, os tucanos vencerão e anularão todas as conquistas proletárias.

Ora, todos sabemos que, na medida em que o campo da ordem – hoje preponderante – for se tornando hegemônico, as conquistas da classe operária em épocas passadas irão sendo anuladas uma a uma. Não por outra razão, aliás, a campanha de 2010 está sendo diligentemente montada para atingir dois objetivos: incutir na mente do eleitorado que as coisas estão melhorando e que não há qualquer alternativa ao sistema capitalista.

Se a direita lograr atingir esses dois objetivos, a hegemonia neoliberal estará totalmente consolidada. O próprio povo passará a entender que, para poder melhorar de vida, os capitalistas têm que ser atendidos em todas as suas reivindicações. Claro que isto não significará o fim do socialismo porque o socialismo existirá enquanto um homem explorar outro. Mas adiará seu retorno à agenda política do país e isto representará milhões de pessoas esmagadas pela truculência do sistema.

Portanto, o que está em jogo em 2010 é a possibilidade (longínqua, mas real) de desarmar essa armadilha por meio de uma denúncia e de uma proposta alternativa que consigam sensibilizar uma parcela significativa do eleitorado.

Não façamos ilusões quanto ao tamanho dessa parcela. Não será grande. Porém, se criar uma base para expansão da proposta socialista, já representará um avanço político.

Na verdade, trata-se de uma tarefa quase impossível, dada a brutal desproporção entre os recursos dos candidatos do campo da ordem e os candidatos socialistas. Contudo, é a única saída autêntica para quem, perfeitamente a par da extrema debilidade da esquerda, vê na campanha eleitoral uma oportunidade mínima, porém valiosa, de lançar sementes para combater a consolidação da hegemonia burguesa.

Não venham, pois, os lulistas com cobranças históricas antecipadas. O que a história responsabilizará, isto sim, serão aqueles que não souberam ler corretamente a conjuntura.

Manifesto Político da III Conferência Eleitoral do PSOL

A 3ª Conferência Eleitoral do PSOL anuncia ao povo brasileiro que haverá opção de esquerda, socialista, popular, feminista, antiracista e ecológica nas eleições de 2010.

A consagração do nome de Plínio de Arruda Sampaio como candidato do partido às eleições em 2010 vem junto com a apresentação de um programa que parta da ruptura com a política econômica, social e ambiental que vigora no país nos últimos 16 anos. Nossa candidatura vai para colocar o dedo na ferida e apresentar um projeto de Brasil que inclua mudanças para valer e que resgate a esperança no horizonte socialista.

O PSOL vai às ruas com o seu candidato a presidente e com sua militância para dizer que o Brasil não vai bem. A tragédia após as chuvas no Rio de Janeiro fala muito mais do que qualquer propaganda oficial. Pois é aí que se revelam os gargalos sociais do país: o desastre da política habitacional, a falência da infra-estrutura e o déficit da saúde pública, só para ficar nos exemplos mais evidentes.

O partido vai às ruas para disputar corações e ideias de milhões de brasileiros, para dialogar com os movimentos sociais autênticos, apoiar as suas demandas e ações, buscar resgatar a necessária unidade de uma autêntica, combativa e renovada esquerda socialista, inspirada em 510 anos de resistência popular, operária, negra, indígena e feminista.

Romper o ilusionismo na política: acertar contas com a era neoliberal

Todas as candidaturas que se apresentam até aqui para a disputa das eleições presidenciais defendem o mesmo projeto e política econômica, que caminha para completar duas décadas no país. Dilma Roussef, candidata do presidente Lula, será a porta-voz de uma política que transformou o Brasil em um dos paraísos dos banqueiros, do mercado financeiro, com elevados juros que remuneram os títulos da dívida pública, e com uma sangria que vai minando cada vez mais o Orçamento da União.

Sob a “era Lula” não houve reforma agrária, pois quem ganhou foi o agronegócio; não houve reforma urbana, pois quem prevaleceu foi a especulação imobiliária – o programa ‘Minha Casa Minha Vida’, por exemplo, não atende às demandas por moradias populares para as camadas mais pobres da população, mas sim aos interesses das empreiteiras na ampliação dos seus lucros. Aprofundou-se também a privatização da saúde e da educação, a entrega da Amazônia para o agronegócio e o latifúndio.

O PAC, cada vez mais um plano de obras eleitoral, aprofunda sem qualquer parâmetro a débil política ambiental em vigor no país, em benefício das empreiteiras, das multinacionais e do agronegócio.

Não houve também uma política efetiva de combate à violência contras as mulheres, contra a discriminação racial e em relação aos crimes homofóbicos.

Quando a crise econômica mundial ameaçou abalar o mercado financeiro e os grandes grupos capitalistas no país, não faltou dinheiro público para salvar o grande Capital. Mesmo assim, um milhão de empregos foram pulverizados em menos de um semestre e o governo não aceita, até hoje, sequer votar a redução da jornada de trabalho.

A dívida pública corrói o orçamento social. Cerca de 25% do Orçamento anual da União vão para pagar juros e amortizações, enquanto programas sociais paliativos, como o Bolsa Família, tão alardeados pelo governo, representam ridículos 0,5% do PIB anual.

Sob os dois governos Lula e os dois anteriores de FHC prevaleceu o favorecimento ao capital financeiro, ao agronegócio, às grandes empreiteiras e a debilitação dos serviços públicos, dentro da lógica neoliberal.

Essa aliança do governo com esses grandes setores é que está na raiz dos interesses e negócios que o país cada vez mais desenvolve no continente, sem nenhum vestígio de ruptura com a dependência do capital imperialista e com a vulnerabilidade externa aos humores da crise do capital.

Essa política se expressa, principalmente, através do financiamento público do BNDES em grandes projetos de infraestrutura – estradas, hidrelétricas, exploração de petróleo – nos países vizinhos. Projetos que visam tão somente maximizar os lucros do capitalismo brasileiro à custa dos direitos dos povos originais e comunidades tradicionais, particularmente na Pan-Amazônia. Se expressa também na política de envio de tropas militares para o Haiti.

Foi a aceitação das regras do jogo – as que partem do princípio de que o Estado brasileiro é um grande balcão dos grandes negócios capitalistas – que afundou o PT na mais grassa vala comum da corrupção e que gerou o mensalão, esquemas dos quais, registre-se também, faziam parte altas esferas do tucanato e que não eram novidade, visto a herança de negociatas do governo FHC durante as privatizações, devidamente mantidas na conjuntura atual, como se pode verificar nas escancarados escândalos de corrupção em governos como Yeda Crusius, do PSDB/RS, e Arruda, do DEM/DF.

Por isso, a candidatura de José Serra, da nefasta aliança tucanos-demos, não é nem de perto uma oposição: é uma continuidade deste modelo, dos pilares do neoliberalismo, mesmo em tempos de crise. Basta ver o desfecho do governo Arruda para se ter ideia do desastre que também seria uma vitória eleitoral dos tucanos.

Mas é na prática que se veem outras similaridades da candidata do governo e Serra. Quando veio a crise em 2008, o governo Lula e o governo Serra, em SP, deslocaram, cada um, 4 bilhões de reais para salvar os lucros da GM, enquanto era aplicado naquele momento da crise um violento processo de violação dos contratos de trabalho, com redução de direitos e flexibilização da jornada.

Hoje há no país uma violenta política de criminalização dos movimentos sociais e da pobreza. Política de extermínio consciente do Estado. O governo Serra e os governos estaduais do PMDB, estes da base governista federal, operam, através dos seus aparatos repressivos e do Judiciário, uma brutal perseguição a movimentos como o MST, MTST e MTL. E, da parte do governo federal, só não há um total silêncio e omissão porque, em relação aos trabalhadores do setor público, a política de criminalização das greves e dos sindicatos também está em andamento.

Nas favelas e periferias há uma “faxina” étnica e social, praticada por políticas de segurança anti-povo, que se traduz no assassinato de milhares de jovens, negros principalmente, a cada ano. Mas que se expressa também na segregação das populações mais pobres em territórios precarizados social e ambientalmente, expostos aos extremos climáticos, a mercê do narcotráfico e de outras mazelas sociais como a ausência de condições dignas em termos de serviços públicos e infra-estrutura – como, por exemplo, saúde, saneamento, condições de habitação.

Fecha o cenário a candidatura de Marina Silva, que frustrou expectativas dos que esperavam que sua ruptura com o governo fosse mais profunda. Esta se consolida como porta-voz de um liberalismo verde, filiando-se a um partido que tanto está na base do governo federal, como na composição de governos tucanos e democratas. Não por acaso, Marina Silva acabou de declarar que irá defender os 16 anos de política econômica vigente no país.

São três candidaturas essencialmente da situação e de continuidade do modelo.

É por isso que o PSOL apresenta seu candidato e seu programa nas eleições de 2010, pois só uma oposição e uma coerência de verdade irão contestar as falsas polarizações e alternativas.

Só o PSOL e uma Frente de Esquerda têm autoridade para defender as demandas e bandeiras históricas do povo trabalhador brasileiro, para apresentar uma autêntica oposição de esquerda, para dizer ao povo trabalhador que o Brasil não vai bem. Para alertar que o desemprego estrutural, as tragédias humanas e ambientais visíveis a cada enchente, a vida sem esperança e a violência nas grandes periferias e morros das capitais revelam que não há solução se for mantida a mesma política econômica, que todas as outras candidaturas defendem.

Uma alternativa socialista: nossas tarefas e diretrizes

Para isso, o PSOL se apresentará nestas eleições com as seguintes diretrizes gerais e tarefas, que serão assumidas por todas as nossas candidaturas majoritárias e proporcionais:

I) Apresentar um programa que parta das demandas sociais e populares, da defesa dos direitos da classe trabalhadora e do povo, e que coloque em pauta propostas que ataquem de frente a hegemonia do capital financeiro, que defendam a soberania nacional, que caracterizem a marca anticapitalista e ecossocialista do nosso projeto de governo e da nossa campanha.

Tais parâmetros têm como base inicial:

1) Auditoria da dívida pública, com suspensão do pagamento dos juros e amortizações.

2) Pela reestatização da Vale do Rio Doce; contra as privatizações em especial a dos Correios (não à transformação da EBCT em Correios do Brasil S/A).

3) Defesa da soberania nacional, fim da privatização das florestas, revogação da MP 458, que legaliza a grilagem no campo; desmatamento zero.

4) Apoio aos povos indígenas, ribeirinhos e das populações tradicionais, contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte.

5) Pela revitalização e contra a transposição das águas do Rio São Francisco; contra obras que inviabilizam a permanência das comunidades tradicionais da região; defesa da revitalização e implantação de projetos para combater os efeitos da seca.

6) Defesa da Petrobrás 100% estatal; com monopólio estatal da produção e exploração de petróleo; controle estatal e social sobre o pré-sal; transição para fontes de energia renováveis.

7) Reforma agrária, defesa dos movimentos sociais sem-terra e das suas ocupações; limitação do tamanho da propriedade rural, expropriação de todas as terras que utilizem trabalho escravo e infantil.

8) Pela segurança alimentar da população, contra os alimentos transgênicos.

9) Reforma urbana, defesa dos movimentos sociais de sem-tetos e das ocupações urbanas; pelo direito à moradia digna, contras as remoções forçadas.

10) Fim da criminalização dos movimentos sociais e da pobreza; anistia a todos os militantes e dirigentes dos movimentos perseguidos com mandatos de prisão, condenações e processo judiciais.

11) Manutenção do direito de greve, fim dos interditos proibitórios.

12) Defesa do direito de greve dos servidores públicos; contra o arrocho salarial e o congelamento de salários dos servidores públicos, contras as medidas e projetos que visam precarizar, privatizar e destruir os direitos dos servidores e os serviços públicos.

13) Fim do fator previdenciário e defesa da previdência pública.

14) Apoio à demarcação, homologação, titulação e garantia de inviolabilidade dos territórios indígenas, quilombolas e os territórios de matriz africana; combate ao racismo ambiental.

15) Redução da jornada de trabalho de 40 horas, sem redução de salários; fim da flexibilização da jornada e dos direitos trabalhistas, fim do banco de horas.

16) Defesa do PNE (Plano da Sociedade Brasileira) e de 10% do PIB para educação.

17) Defesa dos serviços públicos gratuitos e de qualidade.

18) Fim dos modelos de OS da Saúde, fim das Fundações privadas na gestão pública; defesa da saúde pública universal, integral e com controle social.

19) Auditoria da dívida ecológica decorrente dos passivos ambientais provocados pelas grandes indústrias e o agronegócio; utilização do dinheiro do resgate dessa dívida para pesquisa e transição para matrizes energéticas limpas e renováveis.

20) Reforma política com participação popular, baseada no financiamento público exclusivo de campanha.

21) Em defesa da legalização do aborto, pelo fim da criminalização das mulheres.

22) Contra o racismo, a homofobia e o machismo.

23) Aprovação PEC juventude, pela defesa dos direitos dos jovens.

24) Pela democratização dos meios de comunicação; auditoria de todas as concessões das emissoras de rádio e TV; fim da criminalização das rádios comunitárias; anistia aos comunicadores populares; proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação; banda larga universal operada em regime público; criação do Conselho Nacional de Comunicação como instância deliberativa de definição das políticas de comunicação com participação popular; políticas públicas de incentivo à implementação de softwares públicos e livres, ampliando o acesso e a democratização.

25) Apoiar as experiências e investir em novas iniciativas de economia solidária, cooperativas e associativas.

26) Retirada das tropas militares do Haiti e sua substituição por contingentes de médicos, técnicos e professores.

27) Política externa referenciada na soberania brasileira, no combate ao imperialismo e no apoio às lutas e à autodeterminação dos povos.

II) Retomar a Frente de Esquerda Socialista

A conjuntura atual, em cenário de falsas polarizações políticas para enganar o povo brasileiro, impõe a necessidade de se construir a unidade na esquerda socialista.

O momento exige a unidade, com espírito fraterno para conseguirmos sinalizar ao povo e à classe trabalhadora brasileira que a esquerda que resiste tem capacidade de se unir, apresentar um projeto comum que resgate as bandeiras históricas da classe trabalhadora e o horizonte socialista.

O PSOL conclama à unidade e à disposição necessária para se construir uma Frente de Esquerda como na exitosa unidade conquistada nas eleições de 2006 com o PSTU e PCB, e buscando os movimentos sociais e ecológicos autênticos.

III) O PSOL, nessa campanha eleitoral, também buscará sua inserção nas lutas sociais e populares, desde os setores mais organizados da classe trabalhadora – que lutam por salário, emprego e direitos – até as camadas mais pobres do povo brasileiro, para oferecer uma mensagem e uma proposta autêntica de esperança e mudança, capaz de fazer o partido, com os seus militantes e candidatos, ser reconhecido em cada bairro, comunidade, local de trabalho onde chegará a nossa campanha eleitoral.

Será parte da nossa campanha, do esforço do partido e dos seus candidatos, contribuir com o êxito da formação de uma nova sindical central combativa no país, que seja, no terreno da ação imediata, um novo instrumento de frente única independente, autônomo e classista.

Nossa campanha repercutirá a luta pela terra, a luta pela moradia, pelos direitos sociais e lutas de todos os movimentos setoriais da classe trabalhadora.

IV) O PSOL terá como um dos seus objetivos centrais nessa campanha eleger uma forte, representativa e combativa bancada de parlamentares socialistas, que será, na Câmara, no Senado e nas Assembléias Legislativas, porta-voz das demandas populares e que denunciará, incansavelmente, as mazelas sociais do país e as negociatas dos podres poderes da República.

O PSOL irá às ruas, com a valorosa candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, para realizar uma campanha de massas, uma campanha socialista, uma campanha com as bandeiras históricas da classe trabalhadora e do povo.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 2010.