quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Polícia prende militante do movimento cultural e negro de Embu das Artes

Crônica da prisão de um inocente

De Márcio Amêndola de Oliveira

Aconteceu um fato muito grave com um de nossos companheiros do movimento social de Embu. O Nei Silva (Valdinei de Souza Silva), um dos mais ativos membros dos movimentos sociais, entre outras atividades, foi PRESO no dia 12 de setembro porque estava em uma viela de Embu quando a polícia deu flagrante de tráfico em dois jovens (ambos menores).
Nei Silva passava de bicicleta pelo local e parou para conversar com os rapazes, propondo que participassem do movimento cultural e de um grupo de teatro de Osasco, do qual ele faz parte.

Ocorre que aparentemente, ao ser abordado ele foi ‘insolente’ com os policiais, que o prenderam como traficante, apesar de não portar drogas nem ter dinheiro em seus bolsos. A Promotora de Justiça, ao ver que ele era o único maior detido (ele tem 30 anos), o enquadrou por corrupção de menores também! Mas Nei Silva é INOCENTE!!!

Ele NÃO MORA EM EMBU, mas em ITAPECERICA, a quilômetros do local do flagrante. Acontece que, como muitos jovens pobres e negros da periferia, anda a pé ou de bicicleta para se locomover. NEI SILVA NÃO TEM ANTECEDENTES CRIMINAIS, AOS 30 ANOS DE IDADE! Não tem a menor condição financeira para ser 'traficante', pois mora em FAVELA, em péssimas condições, com sua esposa e dois filhos pequenos, e recebe nossa ajuda, por meio de pequenos serviços, cestas básicas e NUNCA leva um centavo sequer nos bolsos. Amigos doaram uma bicicleta para ele há alguns meses, para que se locomovesse de seu bairro até Embu, diariamente. (Ele fazia o percurso a pé, caminhando de três a seis horas por dia!).

NEI É INOCENTE DA ACUSAÇÃO QUE RECEBEU DE TRÁFICO. Ele não portava nenhuma droga. Não estava drogado. Não comprava drogas. Não vendia drogas na hora do flagrante. Não tinha nenhuma arma, a não ser sua bicicleta, que foi abandonada no local e sumiu! Foi preso por estar próximo de um rapaz, em plena via pública, conversando!

O menor carregava drogas numa sacola de mercadinho e tinha quase mil reais nos bolsos. Os dois menores presos disseram ao delegado que nem conhecem Nei Silva, que ele não vendia ou traficava drogas, e que só falava para eles participarem de um teatro. Mas os policiais declararam que Nei tinha 'atitude suspeita', aparentando vigiar o ponto de tráfico. Os próprios policiais não puderam afirmar que Nei estava com drogas, dinheiro ou armas, porque isto não ocorreu.

Não sabemos a quem recorrer. A família não tem a menor condição financeira. São todos favelados. Este artigo é um apelo para que alguma autoridade do Judiciário, ao menos atente para a total falta de consistência neste processo, que pode levar a um longo prazo de prisão para um homem INOCENTE.

Nei Silva é culpado:

- Por ser negro.

- Por ser pobre.

- Por ser favelado.

- Por ser desempregado (como milhões de brasileiros).

- Por conversar com outros favelados, sem discriminação.

- Por ser 'insolente' com a autoridade policial.

- Por ser do movimento negro.

- Por ser um agente cultural da periferia, poeta, escultor e músico.

- Por não se vender a políticos oportunistas e sempre dizer a verdade (maldita mania).

- Por não ter sequer um 'endereço social'.

- Por não existir para o PEA ('População Economicamente Ativa’)

- Por ser Nei Silva.

Este ataque institucional a uma pessoa inocente, humilde, que não tem como se defender é típico de sociedades deformadas, que vêem no mais pobre o inimigo, no diferente o incômodo, e nos poderosos, os aliados. A lei, ora a lei, diriam. O que vale mesmo é ter um 'padrinho político', uma boa conta bancária, um bom advogado, ou todas estas condições juntas. O resto é o silêncio dos inocentes.



Abaixo-assinado

Um abaixo-assinado pela soltura de Nei Silva está correndo pela Região. Mais de 200 pessoas, entre cidadãos, agentes culturais e autoridades estão assinando o manifesto, por ser justo e considerarem Nei Silva inocente das acusações que recebeu.

Já assinaram o manifesto pela liberdade de Nei Silva diversos vereadores de Embu, entre os quais os vereadores Antonio de Jesus Rocha, Gilvan Antonio de França e Silvino Bonfim de Oliveira Filho, o ex-secretário de Turismo, Renato Gonda, os atuais secretários de Planejamento, João Honório, de Governo, Paulo Giannini e seu secretário adjunto, Paulo Oliveira, o Diretor da Casa de Cultura Santa Tereza, Anivaldo Laurindo Ferreira, entre outros.



Quem é Nei Silva

Nei Silva é um rapaz humilde da periferia de Embu, que hoje reside no Jardim Idemori (Itapecerica), com sua esposa Ivanete e seus dois filhos, de três anos (a menina) e de 5 meses (o menino). Participa do movimento cultural e social de Embu há mais de 10 anos. Foi professor de música na Casa de Cultura Santa Tereza, já deu aulas de história antiga numa comunidade evangélica, entre outras atividades. É também ator e poeta, tendo se especializado na obra de vários poetas dos séculos XVIII e XIX, entre os quais Gregório de Matos e Castro Alves, entre outros. Em abril de 2007 foi um dos coordenadores da Primeira Semana Lítero-Cultural de Embu das Artes, realizada e promovida pela Câmara Municipal de Embu. Além disso, participou de um Sarau Poético em solidariedade aos alunos em greve na Universidade de São Paulo (USP) em junho.

Nei Silva também é escultor, fazendo peças em concreto celular e vendendo estes trabalhos diariamente, de onde tira seu precário sustento. Em 2006 participou de um evento no Teatro Maria Dellacosta, quando foi aplaudido de pé ao declamar poesias, sendo homenageado pela então senadora Heloísa Helena. Atualmente é Delegado da Conferência Municipal de Cultura. Nei Silva nunca se envolveu com crimes ou com a criminalidade. Agora, ‘jaz’ numa cela do superlotado CDP de Itapecerica da Serra, sob o número 494773-5. Até quando?


NEI SILVA - IMPRESSÕES DA PRISÃO

"Perdi a noção de tempo, não sei que dia é hoje, nem que horas são, me pautando pela visita (semanal)"

"Penso de dentro de uma cadeia, onde pouco importa se sou homem ou número".

"Muitos (que estão presos) gostariam de saber escrever ou de ter a oportunidade de estar 'soltando a voz', ou mesmo, na pior das hipóteses, não contar (apenas) com um advogado do Estado".

"As trancas foram abertas e no pátio estão cerca de 240 pessoas presas. Por cima de nossas cabeças há uma grade monstruosa, por baixo de nossos pés cerca de dois metros de concreto industrial, cheio de mantas de aço. Ao nosso lado, paredes altíssimas, calculo que cada uma delas tenha um espessura de 40, 50 centímetros, permeados igualmente com essas telas de aço. O portão de saída é uma verdadeira muralha de ferros e cadeados... bem, esse agora é o meu mundo".

"Cela superlotada e ponto final, esse agora é o meu mundo. O mundo aí fora para nós não existe, a 'família' (carcerária) sempre aconselha a esquecer o mundão; agora estou consciente de onde estou... existimos, mas parecemos (fruto da) imaginação, espectros do que fomos um dia".

"Criminoso é aquele que tem a pachorra de negligenciar a verdade".

"É preciso ter homens de coragem para tomar partido de um inocente".

"O racismo e o preconceito social são crimes hediondos e terrorismo fardado".

"Sou culpado por estar trabalhando pela melhora da sociedade".

"Pelas contas dos mais experientes eu fico aqui pelo menos um ano de espera, sendo de 4 a 6 meses para o interrogatório e (mais) 4 a 6 (meses) para a audiência.... Que esperança existe para mim agora?".

"Não divagarei mais nesses assuntos. O pouco de sanidade que me resta porei a serviço de minha liberdade".

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