Desaceleração
Reinaldo Gonçalves*
A desaceleração do crescimento econômico brasileiro é a evidência relevante no momento em que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) completa um ano. Frente ao crescimento do PIB previsto de 5,2% em 2007, as projeções macroeconômicas (Focus do Banco Central) para 2008 apontam para a mediana e a média de 4,50% e 4,51%, respectivamente. Estas taxas são inferiores à taxa de 5,0% que consta no PAC para 2008. Desta forma, após um ano de PAC, no lugar da aceleração do crescimento, o que se observa é exatamente o oposto. Há, assim, a interrupção do miniciclo de otimismo que surgiu no segundo trimestre de 2007, quando houve aceleração do crescimento econômico. E, o Brasil continua "andando para trás" quando se considera o resto do mundo. A projeção do FMI de crescimento da economia mundial é de 4,8% em 2008, enquanto os países em desenvolvimento devem crescer 7,4%.
O primeiro aniversário do PAC envolve não somente a desaceleração do crescimento econômico e o atraso relativo do país, como também a piora nos principais indicadores macroeconômicos. O superávit da balança comercial deve cair de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 32 bilhões em 2008, enquanto o superávit da conta corrente de US$ 5 bilhões em 2007 se transformará em déficit de US$ 4 bilhões em 2008. A pressão inflacionária de 2007 (IGP-M de 7,8% e IPCA de 4,5%) deve continuar em 2008, com taxas de inflação maiores do que as taxas de 2006.
A desaceleração do crescimento econômico e a continuação do atraso relativo tornam-se fatores ainda mais relevantes quando fica cada vez mais clara a reversão da fase ascendente do ciclo econômico internacional iniciado em 2003. A questão central é que as maiores incertezas críticas em relação ao futuro da economia brasileira resultam tanto da reversão do ciclo internacional como dos erros e equívocos das estratégias e políticas econômicas do governo. O PAC ilustra claramente estes equívocos e erros.
Orientado para a expansão dos investimentos em infra-estrutura no período 2007-10, o PAC contém medidas de expansão dos gastos de investimento do governo federal, compromissos de investimento de empresas estatais, medidas de estímulo à expansão do crédito e de desoneração fiscal, medidas focadas na melhora do ambiente de negócios, e diretrizes e parâmetros macroeconômicos. No documento lançado pelo CORECON-RJ em 28 de maio de 2007 (Corecon-rj/ced/01-07) há a análise crítica abrangente do PAC e no qual são discutidas suas limitações e inconsistências.
No primeiro ano do PAC, os fatos a destacar são os seguintes:
1. O PAC não é um plano de desenvolvimento e sim uma lista ad hoc de projetos
2. Com a criação dos PACS-setoriais (por exemplo, segurança e desenvolvimento urbano) o PAC aparece, de forma ainda mais clara, como uma coleção de projetos sem qualquer organicidade
3. A percepção é que o PAC se tornou um balcão de liberação de recursos federais para projetos específicos. Ou seja, o PAC transformou-se em instrumento de barganha e cooptação que tem, de um lado, o governo central (Lula), e de outro, governadores e prefeitos com influência política
4. Os investimentos da União são relativamente pequenos em termos das necessidades de investimento
4. Os investimentos da União são relativamente pequenos em termos das necessidades de investimento
5. Os gastos de investimento da União em infra-estrutura corresponderão, em média, a 0,6% do PIB no período 2007-10 enquanto os gastos com pagamento de juros responderão por 4,7% do PIB no período de vigência do PAC
6. A maior parte dos investimentos programados (aproximadamente 90%) é de responsabilidade da empresas estatais
7. Dois-terços dos investimentos das empresas estão concentrados no setor energético (petróleo, gás e eletricidade)
8. Parte expressiva dos projetos de infra-estrutura está associada às atividades de exportação de produtos primários, o que agrava o padrão de especialização do comércio exterior do país, aumenta sua vulnerabilidade externa e reduz o potencial de crescimento no longo prazo
9. Os recursos definidos no PAC estão além das necessidades efetivas do país. Por exemplo, no Plano Nacional de Logística e Transportes divulgado em meados de 2007 as necessidades de investimento são 50% maiores do que os recursos previstos no PAC
10. A expansão do financiamento governamental ao setor industrial está concentrada nos setores extrativistas e de insumos básicos (por exemplo, siderurgia, papel e celulose), que são orientados, em grande medida, para o mercado externo. O resultado é a maior vulnerabilidade externa do país nas esferas comercial e produtiva
11. No primeiro ano do PAC houve o "apagão aéreo" com suas trágicas conseqüências e o aumento do risco de crise no setor energético
12. Os aeroportos brasileiros aparecem na lista dos piores aeroportos do mundo segundo a revista Forbes
13. Muitos especialistas afirmam que o país já está experimentando uma crise energética em virtude da explosão dos preços negociados no mercado paralelo de energia (mercado livre) de energia elétrica, do redirecionamento do gás natural para as termelétricas e o baixo nível dos reservatórios das hidroeléticas
14. As mudanças do marco regulatório pouco avançaram e o que há de mais evidente parece ser o afrouxamento do controle dos processos de licenciamento ambiental;
15. A questão da defesa da concorrência tornou-se secundária em um país marcado por forte centralização do capital
16. No contexto do PAC o governo conta com a maior liberalização externa na esfera produtiva via participação efetiva de empresas estrangeiras nas concessões para administrar as rodovias federais. No setor aéreo as autoridades defendem a ampliação do limite de participação do capital estrangeiro nas empresas aéreas nacionais de 20% para 49%
17. O abuso do poder econômico continua sem a efetiva regulação governamental. A Vale do Rio Doce, uma das três empresas multinacionais responsáveis pelo cartel do minério de ferro, tem sido acusada de práticas comerciais restritivas que afetam o setor de siderurgia e construção civil. O governo tem se mostrado inoperante em área que afeta diretamente a infra-estrutura do país
18. A inoperância governamental também é evidente no caso da crise do setor energético. Especialistas têm recorrentemente denunciado a ineficácia e, até mesmo, a irresponsabilidade do governo neste setor. Segundo o Instituto Ilumina há "passividade do governo federal" e "ausência de providências mais efetivas que possam evitar uma crise nos próximos dois ou três anos". As mudanças no marco regulatório ficaram somente no papel ou, então, foram parcialmente executadas de tal forma que "o sistema hidroenergético tornou-se muito vulnerável". Neste sistema não houve expansão adequada da oferta e "no que se refere à operação, praticamente nada de relevante foi acrescentado."
19. As autoridades governamentais que se mostraram inoperantes no que se refere à questão energética são, precisamente, aquelas que estão atualmente na coordenação do PAC, com destaque para a Ministra Dilma Roussef
20. Sete anos depois da crise de energia e cinco anos de governo o país defronta-se com séria restrição ao crescimento econômico em decorrência dos problemas energéticos, não somente no que se refere à hidroeletricidade quanto às outras fontes de energia, como o gás natural. Mais recentemente, o governo obrigou a Petrobrás a desviar gás natural para as termelétricas, o que provoca o aumento dos custos da produção de derivados do petróleo. A empresa reduzirá seus lucros e, portanto sua capacidade de investimento, ou, então, haverá aumento de preços
21. A ineficácia na implementação do PAC aparece, por exemplo, quando se considera que o conjunto dos principais projetos para o Rio de Janeiro. Com a exceção dos projetos em andamento sob a responsabilidade direta da Petrobrás, somente dois dos 10 principais projetos saíram do papel
22. As diretrizes macroeconômicas do PAC têm viés restritivo como, por exemplo, as referentes às despesas com benefícios da Previdência, folha de salários da União, manutenção do mega-superávit primário, regra de ajuste do salário mínimo e manutenção de taxas de juros reais relativamente altas
23. A pressão inflacionária e os riscos crescentes da conjuntura internacional são os fatos destacados pelas autoridades monetárias para interromper a trajetória de queda da taxa de juro. As previsões para 2008 são que as taxas de juros nominais devem ficar no mesmo patamar de 2007. A Taxa Selic deve fechar o ano de 2008 em torno de 11% frente à taxa de 11,25% no final de 2007
24. O PAC também opera no contexto da enorme vulnerabilidade externa do país que se agravou com o crescimento extraordinário das importações (quase 50% em 2006-07) e crescente dependência em relação à exportação de commodities. A crença de que as reservas internacionais do país servem como fator de resistência à crise internacional comete o grave erro de desconsiderar a elevada liberalização financeira e cambial do país. Estas reservas podem desaparecer em poucas semanas via deslocamento das aplicações financeiras para a compra de dólares. E, de concreto, no âmbito seja das políticas governamentais, seja do PAC, não há medidas concretas no sentido de redução da vulnerabilidade externa estrutural do país. Muito pelo contrário. O capital estrangeiro tem sido, visto como solução para problemas nos setores de infra-estrutura, que resultam em boa medida da inoperância do governo Lula
25. A falta de consistência macroeconômica do PAC deriva da manutenção dos eixos estruturantes da política econômica do Governo Lula: metas rígidas de inflação e juros altos, mega-superávit fiscal primário, câmbio flutuante e liberalização cambial; e elevado grau de liberalização externa
26. A falta de consistência macroeconômica do PAC deriva do fato de que o crescimento econômico sustentável de 5% exige taxas de investimento superiores a 20%. A taxa de investimento em 2007 deve ficar bem abaixo deste número (algo próximo de 17%)
27. O "desenvolvimentismo às avessas" do Ministro da Fazenda Guido Mantega envolve a defesa de um imposto regressivo como a CPMF. Frente à correta decisão do Congresso de não renovar este tributo, o Ministro logrou a decretação do aumento do IOF que onera os mais pobres, que estão pagando taxas de juros que estão entre as mais altas do mundo. Cria-se mais um dreno fiscal que inibe o consumo e, portanto, desestimula o investimento e o crescimento econômico.
Em síntese, após um ano do PAC chega-se à conclusão que os problemas de concepção e implementação levaram a resultado geral pouco favorável. Em áreas-chaves, como energia e transporte, não houve melhoras evidentes ou, então, houve séria deterioração das condições de infra-estrutura. Os custos das deficiências na infra-estrutura tornaram-se ainda mais evidentes com o risco crescente na área energética. Em conseqüência, reaparece a pressão inflacionária via elevação dos custos. Além das deficiências de operacionalização, deve-se destacar que os avanços no marco regulatório (principalmente, a defesa da concorrência) foram praticamente inexistentes. O miniciclo de otimismo que se seguiu ao lançamento do PAC não parece ter completado um ano. Tendo em vista que o PAC mantém as diretrizes básicas das estratégias e políticas macroeconômicas do governo Lula, o que se prevê para 2008 é, de fato, a pressão inflacionária via custo, o aumento da vulnerabilidade externa do país e a desaceleração do crescimento no contexto de maiores incertezas críticas.
A. Projeções macroeconômicas para 2008
Fontes: IPEA e Banco Central do Brasil. Nota: Dados para 2007 são estimativas e para 2008 são projeções.
B. Taxa de crescimento real do PIB (%): 2003-08
Fontes: FMI, IPEA e Banco Central do Brasil. Nota: Dados para 2007 são estimativas e para 2008 são projeções.
Reinaldo Gonçalves é graduado em Economia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na Fundação Getúlio Vargas realizou, na mesma área, seu mestrado. Cursou o doutorado em Faculty Of Letters And Social Sciences na University of Reading, na Inglaterra. Obteve livre docência pela UFRJ. Atualmente, trabalha no Instituto de Economia da UFRJ. Entre suas obras bibliográficas, destacamos A economia política do Governo Lula, escrito com Luiz Filgueiras, da Universidade Federal da Bahia.
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