sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Olho por olho e acabaremos todos cegos


Olho por olho e acabaremos todos cegos. Esse foi o tema do debate que reuniu mais de 300 pessoas no Odeon no Domingo é Dia de Cinema do último 15/11. O público acordou cedo e ainda resistiu à tentação do sol forte para, em vez de ir à praia, chegar às 9h na Cinelândia, a tempo de ver, antes do debate, Linha de Passe. O diretor do filme, Walter Moreira Salles, estava entre os debatedores, junto de Marcelo Freixo, João Pedro Stédile, do MST, MC Leonardo, da Apafunk, e dos mediadores, o escritor Vito Giannotti, autor de Muralhas da Linguagem, e a jornalista Sheila Jacob, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Na platéia, a camponesa Marlene Lemes da Rocha, de 39 anos, não segurava as lágrimas, mas de olhos bem abertos e atentos. Estava em um cinema pela primeira vez.
Embora viva no campo, Marlene se identificou facilmente com os personagens tão urbanos de Linha de Passe, uma empregada doméstica e seus filhos, um motoboy, um frentista e um pré-adolescente angustiado a procura do pai. “Tem um momento do filme em que o motoboy comete um assalto, na fuga faz um refém e grita para a sua vítima que olhe para ele, mas a vítima não para de tremer de medo. Precisamos mudar esse olhar em relação aos invisíveis. Falta identidade ética nessa sociedade capitalista, na qual se escolhe quem deve viver e quem deve morrer, porque não tem valor”, refletiu Freixo, durante o debate. “Esse debate também deve ser sobre esse modelo de sociedade que se sustenta pela produção do medo, que leva a identificação de um inimigo”, acrescentou, referindo-se à eleição dos pobres como alvos do extermínio, seja pela morte ou pela invisibilidade.
A cultura do medo também motivou Walter Salles a uma reflexão: “A única coisa que o Estado dá de graça é bala”, disse o diretor de Linha de Passe, parafraseando Antonio Candido, para se referir à política pública que tem promovido o extermínio da população pobre no país. “A cultura do medo justificou também a invasão de Bush ao Iraque; como motiva o Sarkozy em seu enfrentamento às periferias na França. É preciso aprender que a liberdade de um começa onde termina a do outro”, denunciou o cineasta, sobre as raízes da desigualdade social. Ele declarou durante o debate o seu voto para deputado estadual em 2010: “Marcelo Freixo já tem o meu voto”.
Stédile alertou para as ilusões produzidas pela TV que ocultam, na opinião dele, uma crise civilizatória. “Estamos numa encruzilhada trágica, em um modelo de sociedade montado para fabricar pobres. O Brasil é a 9ª economia do planeta, enquanto fica no 75º no ranking do desenvolvimento humano e tem a 7ª maior desigualdade no mundo. Existe uma situação de pobreza que não tem saída se não se alterar as estruturas”, disse o líder nacional do MST, que defendeu a luta pela democratização da comunicação e a mobilização nas ruas e no campo como caminhos para uma sociedade mais justa. MC Leonardo concordou com o Stédile sobre a importância da organização dos movimentos sociais para a luta por direitos e para transformar a sociedade: “Antes eu não entendia o que tinha a ver o funk com o MST, por exemplo. Aprendi na luta pelos direitos dos funkeiros que há uma luta ainda maior em jogo. E aprendi sobre como a grande mídia contribui na construção do preconceito”.
O MC participou do curso do NPC deste ano, que tornou a participação no Domingo é Dia de Cinema a sua atividade de encerramento. Giannotti citou Lenin para explicar a natureza do curso: “A maior arma da revolução é o cinema”. E explicou: “Queremos fazer uma disputa contra a hegemonia na comunicação”.
A mineira Marlene, da zona rural de Governador Valadares, três filhos, integrou uma plateia de perfil bastante diversificado, com a participação de alunos, como ela, do curso Flor de Mandacaru, de segurança de saúde ambiental para trabalhadores do campo; do curso anual do NPC de análise crítica do papel da grande mídia a serviço do capitalismo; assim como de organizações de direitos humanos e dos diversos movimentos sociais de esquerda do Rio de Janeiro. “Estou muito emocionada porque eu não conhecia cinema. Vou contar aos meus filhos como é. Sabia que era bonito, mas é muito mais do que imaginava. Não sabia que era um lugar de tanta esperança”, observou Marlene, ao fim da atividade no Odeon, durante a qual os organizadores do Domingo é Dia de Cinema circularam abaixo-assinado com manifesto em defesa do projeto, atividade cultural voltada para a socialização, educação e resgate da auto-estima de alunos de cursos pré-vestibulares comunitários de favelas e periferias. O projeto está sob ameaça de acabar.

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