quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Reforma ou Revolução (I)

De C. H. Solo


A grande novidade na América do Sul nos últimos 20 anos, não é a consolidação do neoliberalismo nas políticas econômicas e sociais, mas a consolidação da democracia burguesa e de suas instituições. O processo eleitoral para eleger presidentes das repúblicas se tornou comum, mesmo que muitos deles não tenham conseguido completar seus mandatos, como no Brasil, Argentina, Paraguai, Equador, Bolívia, etc. Isto é, a despeito de crises econômicas e levantes populares, as elites conseguiram manter a ordem capitalista sem a intervenção dos militares, momento único na história sul-americana desde a chegada dos espanhóis e portugueses na Conquista.

Se houve crises econômicas, levantes populares, derrubada de presidentes, por que não houve a Revolução Socialista, do tipo clássico*, nesses países? Seria um problema de direção dos partidos socialistas? A Revolução realmente estava no horizonte? Esses são alguns dos questionamentos que atravessam a esquerda sul-americana atualmente.

Em nossa opinião, para entender tais processos, ou interrupção dos processos contestatórios, é preciso considerar duas variáveis: os ciclos econômicos e a ideologia dominante. Sabendo do risco que se corre ao generalizar processos, ainda mais na desigual América Latina, especialmente América do Sul, é possível encontrar pontos comuns no que se refere àquelas duas variáveis.

Os anos 1990 significaram uma nova etapa da América do Sul no cenário econômico internacional, com as aberturas comercial e financeira, possibilitando a esses países o acesso aos mercados financeiros, já globalizados, e a novos produtos tecnologicamente mais sofisticados e complexos. Os ajustes realizados pelos governos locais, cumprindo acordos com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Tesouro e Banco Central Estadunidense, reafirmaram o papel das burguesias internacionais na delimitação das políticas, conduzidas pelas burguesias locais.

Porém, a consolidação do neoliberalismo não aconteceu sem crises econômicas na América do Sul. Todos os países sentiram os efeitos das sucessivas crises que aconteceram na década de 1990, sendo que as principais foram o México em 1995, Sudeste Asiático em 1997, Rússia em 1998 e Brasil em 1999. A despeito disso, diversos estudos apontam que a taxa de lucro média internacional continua em ascensão, isto é, não se visualiza, ainda, uma forte crise econômica que tornaria os capitais mais agressivos uns com os outros. Em nossa opinião, a taxa se mantém em ascensão devido ao desenvolvimento tecnológico que permite aumento da extração de mais-valia relativa, mas também à precarização das relações trabalhistas, que permite menor pagamento de salários/contribuições sociais e aumento da jornada de trabalho, aumento da mais-valia absoluta.

Essa conclusão, se correta, nos leva à segunda variável anteriormente citada: a ideologia dominante.

A classe trabalhadora, e a esquerda com perspectiva revolucionária, recebeu um duro golpe no ideário socialista no final dos anos 1980: a queda do regime burocrático-socialista do leste europeu. A imagem de fim da História, de que não haveria mais alternativa à economia de mercado e à democracia burguesa foi fartamente utilizada pela direita para deslegitimar movimentos sociais, partidos de esquerda e levantes populares. Aliado a isso, observa-se como os novos produtos, da chamada terceira revolução tecnológica, representaram também um duro golpe na medida em que criou-se a noção de que a classe trabalhadora também se beneficiou no neoliberalismo, tem acesso a internet, telefonia móvel, etc, ou seja, tem algo a perder em caso de uma Revolução Socialista.

Desse ponto de vista, a questão ideológica se tornou, em nossa opinião, a principal força de manutenção da ordem, inclusive mantendo a ordem institucional burguesa. A ideologia neoliberal ainda permite a precarização das relações de trabalho, ao fracionar a classe trabalhadora, alavancando a taxa de lucro média.

Conclui-se, portanto, que a Revolução Socialista, na América do Sul, apesar dos levantes populares, de um modo geral, não estava no horizonte simplesmente porque houve crises econômicas, mais ou menos agudas conforme o país. Ela não estava no horizonte devido à dominação ideológica neoliberal/capitalista sobre a classe trabalhadora. As direções partidárias revolucionárias não fazem simplesmente a transição “crise econômica => Revolução” na classe trabalhadora sem um longo e paciente processo de convencimento ideológico. E esse processo não se dá com o aumento da precarização das condições de vida da classe trabalhadora, pelo contrário, não é com miseráveis que será feita a Revolução Socialista, mas de pessoas convencidas dessa necessidade.

Mas, assim como a Revolução não está no plano das idéias, a ideologia revolucionária só faz sentido quando é concretizada em procedimentos na realidade. Isto é, a melhoria das condições de vida não é um artifício a ser usado na retórica dos socialistas, diante da impossibilidade de plena realização sob o capitalismo, mas a construção do Socialismo passa também por melhorar as condições de vida da classe trabalhadora (emprego, moradia, saúde, transporte, etc.) de forma que essa busca pela melhoria pode ter um caráter revolucionário quando tem uma perspectiva revolucionária.

Nesse sentido, não basta esperar as crises econômicas, que certamente virão, para emplacar a perspectiva revolucionária na classe trabalhadora, é preciso construir esse caminho, através da referência ideológica e da busca pela melhoria das condições de vida da classe trabalhadora.



*Entende-se como tipo clássico, as Revoluções que realizaram profundas transformações sociais e principalmente políticas, rupturas institucionais, em um curto período de tempo, como foi o caso da Rússia em 1917, China em 1949, Cuba em 1959, etc.

Um comentário:

João Renato Brajal disse...

Caríssimo César,

É um prazer saber que o Andaku de esquerda também escreve bem.

Tenho duas questões: será que parte dos trabalhadores realmente não se benefiaram da "estabilidade política/econômica" e outro tanto da "revolução tecnológica"?

A segunda questão: será que a falha dos revolucionários não é convencer a população de que são capazes de promover mais bem estar? Ou ao menos, que a população deve abrir mão de um estilo de vida por outro mais vantajoso ou moralmente mais correto?

Eu mesmo não estou convencido ainda.

Grande abraço,
João Brajal