terça-feira, 18 de março de 2008

A privatização da CESP será um grave erro

Tínhamos, em São Paulo, três grandes estatais do setor elétrico: a CESP, a Eletropaulo e a CPFL. A CESP operava um extenso sistema de transmissão e algumas redes de distribuição no interior do estado e, ao mesmo tempo, era a segunda maior geradora do Brasil.

Incompreensivelmente, em vez de saneá-las administrativa e financeiramente, a administração do Governador Mário Covas preferiu privatizá-las quase que por completo, sobrando uma parte da CESP, para a qual tinha sido transferido o endividamento das demais.

Entretanto, o que sobrou da CESP ainda tem o controle de grandes hidrelétricas, tais como Ilha Solteira; Três Irmãos; Jupiá; Paraibuna; Jaguarí e outras que totalizam mais de 7.000 MW de capacidade instalada.

Os consultores contratados pelo governo paulista avaliaram a CESP em R$ 6,6 bilhões, valor muito baixo, porque, desde que as bacias hidrológicas sejam devidamente protegidas e preservadas, as hidrelétricas podem gerar energia indefinidamente, portanto não se pode estimar seu valor com base em fluxos de caixa descontados, limitados pelo prazo de depreciação contábil do investimento, a partir do qual o custo de geração reduz-se ao custo de manutenção, somado às despesas salariais, encargos trabalhistas e seguros, custo esse que, no caso das hidrelétricas da CESP, está em torno de R$ 8/MWh. Como, nos leilões promovidos pelo governo, os preços têm superado R$ 100/MWh, é evidente que o potencial lucrativo da CESP permitirá que seu passivo financeiro seja liquidado em menos de 3 anos. Daí em diante a empresa se transformará numa autêntica "mina de dinheiro", e a parte de seus lucros que corresponde à participação do estado no capital da empresa pertence ao público, que financiou a sua construção, com os pesados impostos e taxas que pagou.

Quem são os interessados na privatização da CESP?

De um lado estão alguns tecno-burocratas dogmáticos, com clara motivação ideológica, que defendem cegamente a tese de que "todas as atividades produtivas devem ser privatizadas, cabendo ao Estado apenas controlá-las". Esses burocratas esquecem-se de que o sistema elétrico é uma infra-estrutura de serviço público vital para todas as demais atividades da economia, em particular as atividades industriais e comerciais. É uma temeridade entregar um serviço dessa importância ao controle de grupos cuja prioridade absoluta é maximizar seus lucros.

De outro lado estão os agentes intermediários não produtivos que surgiram à sombra do chamado mercado spot de eletricidade.

Esses intermediários gostam de se intitular "especialistas com mais de 30 anos de experiência no setor elétrico", mas nada acrescentam à estrutura física do sistema, muito menos à sua eficiência operacional. Na verdade, eles talvez até confundam impedância com resistência, mas, aboletados em obscuros órgãos de classe de "produtores... não-sei-de-que" debateram, à base de argumentos totalmente idiotas, que a salvação do mundo está na privatização do que sobrou da CESP.

A explicação que está por trás desse berreiro é elementar, meu caro Watson: são eles que se apropriam de boa parte dos lucros resultantes da diferença entre os altos custos de geração das novas usinas (especialmente das termelétricas), e os baixíssimos custos das velhas hidrelétricas, cujos ativos contábeis estão quase integralmente depreciados.


Hélvio Rech, Mestre e doutorando em energia USP. É especialista em regulação de serviços públicos concedidos (FIPE-USP/Unicamp/EFEI). Foi diretor da APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná - IBAMA.
E.mail: hrech@usp.br

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