segunda-feira, 30 de junho de 2008

Escalada autoritária ameaça a democracia

A precária, incipiente e limitada democracia liberal brasileira está mais uma vez ameaçada de retrocesso autoritário: a investida do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) representa um atentado direto à Constituição e uma ameaça concreta ao Estado de Direito proclamado pelo regime atual e por suas classes dominantes.

Tornado público recentemente, o documento do Conselho Superior dos promotores e procuradores gaúchos revela mais uma decisão na escalada de violências praticadas pelo Estado, nos vários níveis, contra os direitos assegurados aos cidadãos e aos movimentos sociais
(leia na íntegra). O órgão do Ministério Público pediu nada menos do que “a dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade”, como se fosse possível banir da realidade brasileira a manifestação legítima de quem luta por reforma agrária e melhores condições de vida.

Todo mundo sabe que os movimentos sociais nascem de demandas populares, da defesa de conquistas e de direitos. No Brasil, ao longo do século 20 surgiram dezenas de movimentos sociais em defesa da reforma agrária – exatamente porque a concentração fundiária é a maior do mundo e existe uma expressiva população rural que precisa de terra para morar e trabalhar. A maior parte desses movimentos sofreu dura repressão política e policial – com milhares de vítimas da violência do Estado. As elites brasileiras se recusam a realizar uma reforma agrária que atenda as demandas dos trabalhadores rurais.

Da mesma forma, nas últimas décadas surgiram pelo País afora centenas de movimentos sociais vinculados às lutas por moradia, por creches, por postos de saúde, por escola pública, por transporte público e, também, às lutas das mulheres, dos negros, dos gays e lésbicas. Enfim, existem movimentos sociais ligados às mais variadas causas e demandas. Todos esses movimentos expressam reivindicações legítimas e fazem parte da dinâmica de uma sociedade que quer ser democrática. Cabe ao Estado, aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e aos governantes em geral, garantir o atendimento aos movimentos sociais, na medida em que são eles as verdadeiras vozes do povo.

Uma sociedade moderna, constituída por cidadãos autônomos e conscientes, funciona melhor com a existência de muitos movimentos sociais organizados, desde os que defendem a melhoria do bairro e da cidade, os que cuidam das causas nacionais (meio ambiente, saúde, educação, emprego, salário), até os que expressam segmentos sociais e categorias profissionais. A livre organização dos trabalhadores evidentemente faz parte de uma sociedade democrática. Tanto é que é garantida formalmente pela Constituição de 1988.

Por isso mesmo devem ser repudiadas – veementemente – todas as iniciativas autoritárias que tratam os movimentos sociais com discriminação e preconceito, que tentam restringir e limitar a sua atuação, ou que querem reprimir e criminalizar as organizações que representam milhões de brasileiros, como é o caso do MST. É preciso reagir contra as violências dos agentes públicos; é preciso defender mais democracia e menos autoritarismo. O Brasil já sofreu demais sob ditaduras.

Hamilton Octavio de Souza

Jornalista e professor da PUC-SP.

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