O conflito que toma conta da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, é dos mais graves atentados aos direitos humanos em andamento em nosso país. O tema ganhou espaço nos meios de comunicação no último mês, quando nove indígenas foram baleados por seguranças do arrozeiro Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima. Um deles foi atingido por tiros de espingarda calibre 16 na cabeça, no ouvido e nas costas. Se os disparos tivessem acontecido de uma distância menor, seriam fatais.
A origem do conflito é a disputa entre indígenas e organizações que defendem a demarcação contínua da terra indígena e setores contrários, formados por empresários, produtores, o governo do estado e também algumas comunidades indígenas, que vêem seus interesses econômicos ameaçados pela garantia dos direitos da maioria da população rural de Roraima. O impasse está para ser definido no Supremo Tribunal Federal. A área ocupada pelos produtores de arroz vinha sendo liberada para garantir a demarcação - o processo teve início na década de 70 e o decreto de homologação foi assinado em 2005 -, mas uma liminar solicitada pelo governo de Roraima barrou o processo.
Na verdade, o conflito ora em questão não é novo. Apesar dos direitos dos indígenas sobre suas terras serem reconhecidos e afirmados na Constituição brasileira, as próprias autoridades de Roraima vêm atuando ao longo dos anos, direta e indiretamente, para impedir a demarcação da terra indígena. Quando não foram omissas, apoiaram a invasão de arrozeiros em terras da União, já reconhecidas como desses povos. Neste sentido, perpetuaram a lógica que privilegia os interesses econômicos e nega direitos originários das etnias.
Mais do que ocupar irregularmente as terras de Raposa Serra do Sol, os arrozeiros têm ainda praticado crimes ambientais na região. Cerca de 30% da área homologada está devastada e os principais responsáveis são os rizicultores.
São esses produtores e essas empresas que contam com o apoio de parte dos meios de comunicação, que têm utilizado de seu potencial de formação da opinião pública para influenciar a sociedade contra a demarcação de Raposa Serra do Sol. Muitos veículos trataram o processo como prejudicial ao desenvolvimento econômico de Roraima e desnecessário, como se fosse muita terra para pouco índio.
Atualmente, mais de 18 mil indígenas, de cinco povos diferentes - Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó e Patamona -, organizados em mais de cem comunidades, vivem na área da Raposa Serra do Sol - enquanto, do outro lado, uma dezena de fazendeiros questiona o processo. A ocupação tradicional desses povos no território em questão, ao contrário do que chegou a ser questionado via imprensa, é comprovada por extensa e válida documentação histórica. São etnias cuja presença na região de fronteira foi e segue sendo essencial para a defesa da nossa soberania. Por isso, aqueles que apelam para uma suposta ameaça à segurança nacional com a demarcação de Raposa Serra do Sol em área contínua, incluindo aí as Forças Armadas, o fazem com base na distorção de fatos concretos.
Quem ameaça a soberania nacional não são os povos indígenas, e sim o capital internacional que, através de suas empresas e estimulado pelo agronegócio, tem adquirido grandes extensões de terra na Amazônia e pressionado a redução da faixa de fronteira, para que as transnacionais possam tomar conta de territórios cada vez amplos em nosso país.
A solução para este impasse está agora nas mãos do STF. Resta saber se os ministros do Supremo votarão a favor dos direitos dos povos indígenas e da maioria da população que vive na região ou se referendarão o privilégio do qual vêm se beneficiando pouquíssimos fazendeiros. O Brasil espera uma resposta urgente.
Ivan Valente é deputado federal pelo PSOL/SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário