O abandono do campo em busca por melhores condições de vida na cidade é um fenômeno bastante conhecido entre nós e é uma das raízes das crescentes polarizações que permeiam as relações urbanas. Se a inexistência da reforma agrária contribuiu para a migração extremada, as dificuldades para encontrar trabalho e a inexistência de uma reforma urbana fazem as pessoas viverem em condições indignas: em casas emprestadas, em barracos ou pagando aluguel em espaços cada vez menores e situados em terrenos periféricos aos centros das grandes cidades.
Campinas não é diferente. Uma metrópole com cerca de um milhão de habitantes, contabiliza 400 mil pessoas vivendo em condições de irregularidade, seja em bairros e comunidades não regularizados, seja em favelas ou habitações sem qualquer condição de desenvolvimento humano, por não possuírem saneamento básico ou estarem distantes de equipamentos públicos ou outros bens e serviços. Sem transporte, sem saneamento, sem escolas, sem postos de saúde e ainda pagando aluguel ou morando de favor em cubículos, grande parte da população (constituída de trabalhadores informais, desempregados, trabalhadoras domésticas, etc.) vive na pele, diariamente, a imensa, injusta e violenta contradição de uma cidade desigual, que tem uma administração centralizadora e autoritária, gerida por políticos muito distantes de suas verdadeiras necessidades.
Campinas possui grandes glebas de terras – propriedades privadas de grandes especuladores - que circundam a cidade tornando ainda mais evidentes as contradições entre os mais ricos e os mais pobres, entre as ocupações e os condomínios, entre os “presépios”e os imensos e luxuosos “castelos”. É neste cenário que se torna visível o MTST – um movimento que busca a consciência e organização da maioria da população sobre o déficit habitacional, sobre as injustiças e a violência existentes para a maioria da população trabalhadora. É neste contexto que se acirra a luta pela moradia e dignidade humana e se denuncia o autoritarismo e intolerância do atual governo da cidade com os mais necessitados.
Em 28 de março, como parte de uma jornada nacional de luta envolvendo diferentes atividades simultâneas em nove estados brasileiros, mais de 200 pessoas ocuparam um monumental terreno improdutivo (mais de 120 mil m²) e devedor das taxas públicas que esteve há décadas bem guardado para a especulação dos grandes empreendimentos imobiliários que marcam Campinas em todas as suas regiões. De tão grande o terreno, estas pessoas pareciam insignificantes. Aos poucos, dia após dia, o acampamento Frei Tito foi se tornando cada vez maior e a dinâmica da organização se implementando. Em uma semana estavam no local perto de 1500 pessoas, divididas em vários agrupamentos. A rotina começava a se instalar na organização das pessoas – reuniões gerais, assembléias, escolha dos coordenadores de cada agrupamento com divisão de tarefas. Cada agrupamento possuía coordenadores com a tarefa de cuidar da lista de presença das pessoas no acampamento, de assegurar disciplina e participação em tarefas organizativas e estabelecer os espaços coletivos do agrupamento, tais como cozinha e banheiros, desde a sua construção até funcionamento. Com papéis definidos, a liderança assumia o trabalho diuturnamente dentro do acampamento, enquanto a coordenação geral e apoiadores faziam as intermediações necessárias com os diferentes equipamentos e instâncias públicas para acompanhar a tramitação do processo de tomada de posse da terra.
Tanto a organização interna quanto as negociações externas, são processos intensos, pautados pela forma consciente, corajosa, determinada, segura e firme de luta, apesar do cansaço, dos imprevistos, das situações limites pelas quais passavam todos ali presentes. Os militantes do movimento e as pessoas que participam da ocupação enfrentam grandes tensões que vão do desrespeito da mídia burguesa – veiculando mentiras sobre o acampamento e seus ocupantes – até o cansaço e privações de todas as ordens. Ao ouvir a história de diferentes pessoas presentes no movimento tem-se a clareza de que a luta exige disciplina e capacidade de tomada rápida de decisão, firmeza nas direções assumidas e muita colaboração daqueles que se solidarizam com todo este sofrimento.
Buscando um canto para morar estavam pessoas que pagavam em média 250 reais no aluguel de espaços com um ou no máximo dois cômodos. No entorno da região ocupada, existem comunidades cuja maioria se constituiu pela ocupação das terras. Os números das moradias irregulares em Campinas é assustador. Há comunidades inteiras que há mais de 10 anos esperam por uma decisão da Secretaria de Habitação Municipal no trâmite deste processo. Se em um passado distante o PCdoB teve um papel importante para que ocorressem jornadas de ocupações em Campinas, hoje ele abandonou as lutas do povo e participa, junto com o PT, de um governo burguês ocupando a Secretaria de Habitação, uma das responsáveis pela paralisia ou não atendimento das demandas do povo por habitação.
Uma semana após a ocupação, diante da pressão pela liminar de reintegração de posse, o MTST realizou uma marcha que durou 4 horas até a Prefeitura Municipal, para reivindicar a presença da prefeitura nas negociações, juntamente com a Caixa Econômica Federal e o CDHU, cujas opiniões sobre a situação da gleba de terra eram favoráveis à doação para o assentamento das famílias. Sem serem atendidos, voltaram dois dias depois e lá permaneceram até o dia em que foram retirados do terreno por determinação judicial.
O processo de reintegração de posse já era esperado pelo movimento e foi efetivado na madrugada de 11 de abril. A desocupação ocorreu de forma pacífica e durante o processo o PSOL esteve presente apoiando o movimento com a presença de suas figuras públicas, além de dirigentes nacionais, estaduais e municipais. As famílias voltaram para seus espaços de origem, porém de forma organizada. Todos os participantes da ocupação foram cadastrados e permanecerão em contato com o MTST para que a formação política continue mantendo coeso e vivo o movimento.
A participação e o apoio do PSOL e também do Socialismo Revolucionário foram de grande importância durante o processo de ocupação. A presença de Heloísa Helena intermediando as negociações do prefeito com o movimento, junto com toda a mobilização feita nos dias anteriores à reintegração de posse obrigaram o prefeito de Campinas a receber o MTST e abrir negociações para atender as reivindicações do movimento. Isto mostrou o papel importante que um partido e figuras públicas de luta podem desempenhar para fortalecer as lutas sociais, quando adotam uma linha política de priorizá-las.
O PSOL e o Socialismo Revolucionário também contribuíram com a caracterização da população feita pelo movimento; participaram dos embates com o governo municipal; denunciaram as distorções e mentiras veiculadas pelos veículos midiáticos burgueses e deram suporta para a mobilização e formação dos participantes no movimento. Tudo isto mostra que o PSOL está do lado das lutas.
Mesmo diante dos enormes desafios ainda colocados para se efetivarem conquistas, o balanço desta ocupação e da Jornada de Lutas dos Movimentos Sociais é positivo. A retomada das lutas dos movimentos sociais e dos militantes da esquerda combativa como um todo abre a possibilidade de colocar na ordem do dia a luta contra a desigualdade, a injustiça e a negligência municipal do governo do Dr. Hélio, que governa para os que menos precisam.
Raquel Guzzo, Profa. Dra. de Psicologia da PUC Campinas, Militante do Socialismo Revolucionário - PSOL/Campinas
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